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40% das vítimas de estrupro no país são meninas negras e adolecentes, aponta pes

Atualizado: 14 de jan.

Júlia Novaes / Katia Torres


Os dados são alarmantes e revelam uma tragédia silenciosa que assola o Brasil: segundo estudo realizado pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper, 40% das vítimas de estupro no país são meninas negras, o dobro da incidência entre meninas brancas. Os números mostram que de cada 10 registros de estupro no país, 6 envolvem meninas com idade inferior a 18 anos, sendo que os crimes realizados contra mulheres pardas e pretas aumentaram nos últimos anos. Em 2010, quando foi realizada a primeira análise, os números eram menores. Já em 2022, esse número subiu para 4 em cada 10, e atualmente, segundo o estudo, chegou a 6 em cada 10.


Esses dados evidenciam uma intersecção de opressões - racismo, sexismo e vulnerabilidade socioeconômica - que torna as meninas e mulheres negras particularmente vulneráveis à violência sexual, um claro exemplo de racismo estrutural.


O filósofo brasileiro Dr. Thiago Teixeira, em seu livro "Políticas de Descontinuidade: ética e subversão", questiona os padrões e normas impostas às pessoas negras: "...não raro, somos capazes de observar a força pela qual os padrões e as normas fazem com que identidades políticas sejam dizimadas, que corpos sejam reiteradamente violados, precarizados e explorados e que as violências se enraízem, sejam naturalizadas e dissimuladas a fim que de que garanta a perpetuação de arquiteturas políticas calcadas na exclusão."


Teixeira também afirma que a continuidade dessas violências, desde a colonização até os dias atuais, é possível devido a medidas como "...uma desintegração das identidades, sobretudo das que designam subjetividades desautorizadas pelas técnicas, políticas, princípios econômicos de exploração do trabalho (...) Assim, como prerrogativa de vulnerabilização de sujeitos escravizados, as políticas de extermínio foram profundamente orquestradas para despossuir vidas, negligenciar presenças, invalidar saberes e banalizar corpos..."


Esses números também podem ser interpretados, segundo a filósofa estadunidense Judith Butler, que segue uma linha de raciocínio similar a de Teixeira, expondo como certas vidas são consideradas menos 'vivíveis' e menos dignas de proteção e luto. A desumanização das meninas e adolescentes negras, resultante de estruturas racistas e machistas, as expõe a um risco maior de violência sexual.


Embora o aumento no número de denúncias por parte das vítimas negras possa indicar uma maior conscientização e disposição para buscar ajuda, o crescimento alarmante no número total de registros de estupro no país, de 7.617 para 39.661, mostra que ainda há um longo caminho a percorrer no enfrentamento à violência sexual.


Diante desse triste cenário, torna-se evidente a necessidade de uma abordagem interseccional no combate à violência sexual. É imprescindível a implementação de políticas públicas e ações de prevenção, proteção e responsabilização que considerem as especificidades e necessidades das meninas e adolescentes negras, levando em conta os fatores estruturais que as tornam mais vulneráveis.


No entanto, para que essas medidas sejam efetivas, é fundamental que haja um esforço paralelo para desconstruir os estereótipos e preconceitos que, historicamente, têm contribuído para a desumanização, subalternização e falta de reconhecimento das vidas negras. As representações discursivas e imagéticas perpetuadas pelos grandes conglomerados de mídia no Brasil tiveram a ainda têm desempenhado um papel significativo na manutenção desses estereótipos e preconceitos. O resultado disso é uma profunda estigmatização que violenta essas vidas diariamente, tornando-as ainda mais vulneráveis.


O estudo do Insper, em diálogo com as reflexões do Prof. Thiago Teixeira, evidencia a urgência de um enfrentamento sistêmico e multidisciplinar à violência sexual contra meninas e adolescentes negras no Brasil.


É hora de romper o silêncio e enfrentar essa tragédia que tem assolado o Brasil desde a colonização. A vida e o futuro dessas meninas dependem de nossa ação urgente e comprometida.


Uma das formas de contribuir para a mudança desse cenário é através do engajamento político e do voto consciente, buscando eleger representantes comprometidos com a promoção da igualdade racial e com a reparação histórica das desigualdades que afetam a população negra. Além disso, é fundamental apoiar iniciativas e organizações que trabalham diretamente com a proteção e o empoderamento de meninas e mulheres negras, fortalecendo a rede de apoio e solidariedade necessária para enfrentar essa realidade.


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Você sabe o que significa interseccionalidade?


A interseccionalidade é um conceito proposto pela jurista estadunidense Kimberlé Crenshaw em 1989, que busca analisar como diferentes categorias sociais, como raça, gênero, classe e orientação sexual, interagem e se sobrepõem, criando experiências únicas de desigualdade e vulnerabilidade. Crenshaw desenvolveu a teoria a partir de sua observação de como as leis e políticas antidiscriminatórias nos Estados Unidos frequentemente falhavam em reconhecer e abordar as experiências específicas de mulheres negras, que enfrentavam simultaneamente racismo e sexismo.

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