Eleições na França: entenda de forma simples como funciona
- Katia Torres
- 1 de out de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 30 de jan

"Não foi um bom resultado para os partidos que defendem a Europa", disse o presidente francês Emmanuel Macron após o desempenho histórico do partido de extrema-direita Reagrupamento Nacional (RN) nas eleições europeias de 2024. "Eu não poderia, no final deste dia, agir como se nada estivesse acontecendo. Eu decidi dar a vocês a escolha. Portanto, eu dissolverei a Assembleia Nacional esta noite."
Com essas palavras, Macron surpreendeu a todos ao convocar eleições legislativas antecipadas. Foi Bardella quem, em uma postagem no X (antigo Twitter), sugeriu a Macron a dissolução do parlamento e eleições antecipadas: "Esta eleição histórica mostra que quando o povo vota, o povo vence. Estamos prontos para exercer o poder." Verdade ou brincadeira, o pedido poderia do líder da extrema direita foi atendido.
Mas como funcionam as eleições legislativas na França? E por que Macron tomou essa decisão inesperada?

As eleições legislativas francesas são realizadas para eleger os 577 deputados da Assembleia Nacional, a câmara baixa do Parlamento. A Assembleia Nacional é considerada a câmara mais importante e poderosa do sistema parlamentar bicameral francês. Ela tem funções cruciais, como debater e votar projetos de lei, supervisionar as ações do governo e discutir o orçamento anual do Estado.
As eleições para a Assembleia Nacional ocorrem em dois turnos: no primeiro, os eleitores votam em seus candidatos preferidos em cada distrito. Se nenhum candidato obtiver mais de 50% dos votos válidos, os dois mais votados avançam para o segundo turno, quando o eleitor escolhe entre eles.
Na eleição de 2024, o RN teve um ótimo primeiro turno e parecia prestes a conquistar muitos assentos. Porém, entre os dois turnos, partidos de centro, esquerda e ecologistas se uniram em uma "frente republicana" para apoiar os candidatos com mais chances de derrotar a extrema-direita em cada distrito. A estratégia deu certo: a Coalizão de Esquerda acabou com o maior número de cadeiras, frustrando as ambições do RN.
Mas por que Macron convocou essas eleições antes do fim do mandato da Assembleia? O presidente francês tem o poder de dissolver a câmara baixa, previsto no artigo 12 da Constituição. Ele o fez após meses de impasse político, argumentando que a Assembleia não estava mais alinhada com a vontade do povo e que precisava de um novo mandato para governar.
Com a dissolução, todos os deputados perderam seus assentos prematuramente. Eles puderam concorrer novamente, mas sem garantia de reeleição. Durante o período entre a dissolução e as novas eleições, o governo continuou administrando o país, mas sem poder introduzir novas leis substanciais.
Os resultados não deram a Macron a maioria que esperava, o que pode trazer mais impasses políticos. Na França, o presidente tem um mandato de 5 anos, enquanto o primeiro-ministro, que ele nomeia, não tem prazo fixo. Normalmente, o premiê vem do partido ou coalizão que tem maioria na Assembleia. Sem essa maioria, Macron pode ter que nomear um primeiro-ministro de outro campo político, na chamada "coabitação".
A coabitação ocorre quando o presidente e o primeiro-ministro são de partidos ou coalizões opostas. Nessa situação, eles são obrigados a trabalhar juntos e a chegar a compromissos sobre políticas e legislação. Isso pode levar a tensões e dificuldades na governança do país.
Esse cenário lembra 1997, quando o então presidente Jacques Chirac dissolveu a Assembleia, só para ver a esquerda conquistar a maioria e ser forçado a "coabitar" por 5 anos. Agora, Macron enfrenta uma situação parecida. Ele terá que negociar com a Coalizão de Esquerda para formar um governo, já que seu partido não tem mais maioria.

As eleições de 2024 mostraram a força da insatisfação popular e a habilidade dos partidos em se adaptar. Embora o RN tenha ficado aquém do esperado, seu avanço é um sinal dos desafios que Macron e a Europa enfrentam. Cabe agora ao presidente francês navegar nesse novo cenário político para tentar implementar sua agenda nos anos restantes de seu mandato.
Saiba Mais

Dissolução: De acordo com a Constituição, o presidente pode dissolver a Assembleia Nacional após consultar o primeiro-ministro e os presidentes de ambas as câmaras do parlamento (Assembleia Nacional e Senado). Após a dissolução, as eleições para uma nova Assembleia Nacional devem ser realizadas no prazo de 20 a 40 dias.
No entanto, existem algumas restrições a esse poder:
O presidente não pode dissolver a Assembleia Nacional novamente no ano seguinte à eleição resultante de uma dissolução anterior.
A dissolução não pode ocorrer durante um estado de emergência ou quando o presidente estiver exercendo poderes emergenciais especiais sob o artigo 16 da Constituição.
Na prática, a dissolução é geralmente usada quando o presidente enfrenta uma Assembleia Nacional hostil ou quer buscar um novo mandato para implementar sua agenda política.
Funções: A Assembléia Nacional tem várias funções importantes:
Legislação: A Assembleia Nacional debate e vota projetos de lei. Para que um projeto se torne lei, ele deve ser aprovado tanto pela Assembleia Nacional quanto pelo Senado (a câmara alta).
Controle do governo: A Assembleia Nacional supervisiona as ações do governo e pode questionar os ministros sobre suas políticas. Ela também pode passar moções de censura para remover o governo do poder.
Orçamento: A Assembleia Nacional discute e vota o orçamento anual do Estado. Em comparação, a câmara alta na França, chamada de Senado (Sénat), tem 348 senadores eleitos indiretamente para mandatos de seis anos. Embora o Senado também esteja envolvido no processo legislativo, a Assembleia Nacional geralmente tem a última palavra em caso de desacordo entre as duas câmaras.
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