Mulheres protestam por seus direitos em várias capitais contra o PL 1904
- Katia Torres
- 2 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de jan.
Júlia Novaes / Katia Torres
Estudantes Jornalismo

Nos últimos dias, diversas cidades brasileiras foram palco de protestos contra o Projeto de Lei 1904/24, conhecido como PL da Gravidez Infantil. O projeto, que visa criminalizar o aborto após 22 semanas de gestação, mesmo em casos de estupro, tem gerado grande controvérsia e mobilizado a sociedade civil.
Em Belo Horizonte, no dia 14 de junho, centenas de manifestantes se encontraram na Praça Sete, região central de Belo Horizonte. Um dos momentos mais impactantes do evento foi a performance de várias mulheres em alusão ao "O Conto da Aia", romance distópico da canadense Margaret Atwood. Na obra, mulheres são submetidas a um sistema brutal onde devem servir como "aias", gestando filhos para famílias dominantes em um contexto de baixa natalidade. A metáfora simbolizou a luta contra a opressão às mulheres e a perda de direitos sobre seus próprios corpos.
Amália, uma mulher de 43 anos, esteve no protesto, juntamente com sua mãe e declarou espontaneamente: "Eu tô aqui porque eu fui estuprada quando eu tinha 7 anos. Eu sofro por tudo que tá acontecendo agora, eu tô sofrendo com isso, porque eu me coloco muito no lugar dessas crianças."
Gislande, outra manifestante, desabafou ao explicar sua motivação para ter saído de casa no frio da sexta-feira em BH: "Enquanto mulher eu estou aqui porque não aceito que aborto seja discussão de homens. Aborto é uma questão de saúde, uma questão das mulheres. Quem tem que resolver a situação de fazer aborto ou não é a mulher. É ela que é dona do próprio corpo. Nós não podemos aceitar que o machismo continue caindo em cima de nós. Nós temos que ter direitos, nossos direitos garantidos. A função do Congresso é garantir lei de educação, saúde de qualidade para que as mulheres vivam em paz. Nós queremos é só viver. Nós precisamos viver, então temos que educar esses homens que estão lá e não é papel de nenhum homem discutir aborto, aborto é uma questão das mulheres."
O PL 1904/24, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e aprovado em regime de urgência pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, equipara a interrupção da gravidez, como está na PL a ser tramitada, como homícidio e afeta diretamente crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Caso seja aprovada, a vítima que fizer o aborto terá uma pena maior do que a do estuprador. A medida tem sido fortemente apoiada por grupos da extrema direita, que utilizam a religião evangélica para promover suas agendas políticas.

Os protestos em todo o país refletem a resistência da sociedade civil contra medidas que ameaçam os direitos reprodutivos e a saúde das mulheres. A referência ao "Conto da Aia" nos protestos serve como um alerta sobre os perigos de um futuro real, onde as mulheres percam o controle sobre seus próprios corpos e destinos.
Na capital mineira, vários homens apoiaram a causa feminina. É o caso de Marcelo Martins, da "Resistência Alvinegra", torcida organizada do time mineiro Atlético que se autodeclara antifascista. Ele declarou em nome do grupo: "Como todo mundo, nós estamos indignados com o que aconteceu com o país, esta PL, que foi plantada lá, a toque de caixa, na calada da noite. Ela foi feita de maneira incorreta e fere a constituição, fere toda a lógica das mulheres, não está sendo votada direito. A gente está aqui querendo justiça, para que o congresso pense na saúde da mulher."
Mulheres ativistas por seus direitos, como a psicóloga Monalisa, considera que é inadmissível que ainda hoje as mulheres tenham que se defender por serem vítimas de violência sexual. Na opinião dela, "O aborto tem que ser descriminalizado, tem que ser legal e tem que acontecer de maneira segura. (...) a liberdade do corpo da mulher, nem o estado e nem ninguém deve criminalizar. Somente a luta das mulheres tem sido mundialmente capaz de enfrentar estas estruturas patriarcais que nos submetem a situações tão perversas de violências socioculturais."
A nova geração, também presente no ato, tem sua própria análise. É o caso da declaração da adolescente de 16 anos que não quis se identificar: "O que eu acho é que, o fato de uma PL punir quem é vítima de estupradores, não vai acabar com o aborto no Brasil, se é isso que eles querem [os deputados]. Meninas e mulheres vão morrer se isso for de fato aprovado." Seu amigo, que estava ao lado, concordou e complementou que a PL criminaliza a vítima em vez do estuprador.
No sábado (15), a Avenida Paulista, em São Paulo, foi tomada por manifestantes pela segunda vez na semana. O ato, organizado por 60 coletivos, contou com a presença de parlamentares do PSOL, como os deputados federais Sâmia Bomfim e Ivan Valente. Sâmia declarou: "...porque não há melhoria possível em um projeto que parte da premissa de criminalizar mulheres e meninas brasileiras. O Congresso é investado de reacionistas e conservadores que não fazem a menor ideia da força do movimento feminista! A força do movimento feminista na rua vai derrotar esse projeto maldito". Já Valente criticou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmando que o PL foi pautado para fazer chantagem ao governo e garantir o apoio da bancada fundamentalista e da extrema direita na Câmera dos Deputados: "Ele levou uma bela porrada, daqui da rua ele é o inimigo número um hoje das mulheres e crianças brasileiras."
Além de São Paulo, outras cidades como Fortaleza (CE), Natal (RN), Ribeirão Preto (SP), Araraquara (SP) e João Pessoa (PB) também foram palco de manifestações no sábado.
No domingo (16), os protestos continuaram em Vitória (ES) e Palmas (TO). Na capital capixaba, a manifestação aconteceu em frente à Assembleia Legislativa, com cartazes trazendo frases como "Estuprador não é pai" e "Criança não é mãe". Já em Palmas, o ato ocorreu em frente ao Espaço Cultural, juntamente com a parada LGBTQIA+.
Certo é que os movimentos sociais pressionaram o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que depois de ter submetido o Projeto de Lei a votação relâmpago, voltou atrás e prometeu que o tema será amplamente debatido e, segundo ele, "Sem pressa". Quanto aos manifestantes, estes estão convictos da necessidade de proteger as mulheres mais vulneráveis. A luta contra esse PL é uma luta pela autonomia, pela dignidade e pela liberdade das mulheres brasileiras.
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