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Ditadura Silencia a Voz e a Cultura dos Krenak: Uma Herança de Trauma e Resistência

Atualizado: 14 de jan.

Resistência Krenak contra o apagamento cultural


Laura Scardua / Katia Torres




"Minha avó deixou de falar a língua fluente, a ditadura calou minha avó. Ela ficou com trauma. No reformatório que eles criaram, açoitavam, puniam quem falasse. Minha avó nem conseguiu ensinar a língua Krenak aos meus filhos por causa do trauma", conta Langu Krenak, neto indígena de Jovelina Krenak.


Durante a ditadura militar no Brasil, os povos indígenas foram vítimas de extrema repressão e submetidos a políticas governamentais que visavam negar suas culturas, tradições e identidade. Suas terras foram invadidas e desapropriadas pelo Estado, o que ainda hoje está pendente de reparação. A expulsão forçada de muitas comunidades indígenas de suas terras ancestrais gerou consequências sociais, culturais e ambientais graves.


Violência contra os Krenak


Os indígenas da etnia Krenak vivem em área reduzida de 4 mil alqueires, reconquistada com grandes dificuldades. Os pais de Langu, quando ainda crianças durante o governo militar, foram levados para São Paulo e se dispersaram para fugir da violência, deixando suas raízes para trás, assim como aconteceu com outras famílias indígenas.

Na década de 1980, quando o pai de Langu resolveu retornar à reserva, sua mãe questionou se “tão pequeno” pedaço de terra lhes traria o sustento para a família. O pai respondeu que o Rio Doce, que garantiu o sustento de seus ancestrais, também lhes daria o provimento de suas necessidades. Outras famílias também voltaram, motivadas a resgatarem suas tradições e locais sagrados.


Atualmente, 600 indígenas Krenak se distribuem em oito grupos na reserva. Para Langu Krenak, um dos líderes do grupo Atoran, a violência praticada "é um crime do Estado contra nós e nossos ancestrais". Ele continua citando o trauma da sua avó, uma das anciãs cultas na língua original Krenak, que na época do reformatório penal foi obrigada a não usar a língua oficial de seu povo, sendo ameaçada e castigada fisicamente se o fizesse. O silenciamento provocado pela ditadura permaneceu até sua morte.


“Os Krenak pertencem ao grupo linguístico Macro-Jê, falantes da língua denominada 'Borun'. Apenas as mulheres com mais de quarenta anos são bilíngues, enquanto os homens, jovens e crianças de ambos os sexos são falantes do português”, aponta relatório sobre os Krenak no portal Povos Indígenas no Brasil. Nos últimos três anos, os nativos vêm envidando esforços para que as crianças voltem a falar o Borun. E as anciãs fazem esse papel de ensinar, mas nem todas conseguem, como foi o caso de Jovelina Krenak.

A transmissão da cultura entre gerações, que é sagrada para esse povo indígena, alimenta a sensação de pertencimento, mantém viva sua identidade e valores. Esse elo foi violado. Os filhos e netos de Langu sofrerão as consequências disso.




Reformatório Agrícola Krenak


Durante a ditadura, uma das formas de tentar apagar a identidade dos indígenas foi por meio do Reformatório Agrícola Krenak, criado a partir de um acordo entre a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG). Localizado no município de Resplendor (MG), o reformatório, termo que para o jornalista Rubens Valente é eufemismo para prisão, começou a operar em 1969, recebendo indígenas tidos como rebeldes de diversas etnias de todo o país.


Segundo o portal dos Povos Indígenas no Brasil, o reformatório foi implantado sob a administração da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), e para lá eram enviados os indígenas que opunham resistência aos ditames dos administradores de suas aldeias ou eram considerados como desajustados socialmente. No presídio eram mantidos em regime de cárcere, sofrendo repressões, como o confinamento em solitária e castigos físicos em casos de insubordinação.


Eram-lhes impostas atividades na agricultura durante o dia, sob forte vigilância de soldados da PM e dos membros da Guarda Rural Indígena (Grin), outra ação perversa do governo, que obrigava indígenas fardados a manter a ordem interna nas aldeias, coibir os deslocamentos não autorizados, impor trabalhos e denunciar os infratores ao Destacamento da Polícia Militar.


Esse foi um, dentre os vários métodos utilizados pelo governo militar, para legitimar as atrocidades e violações dos direitos dos indígenas do Brasil. Ao menos 8.350 indígenas foram assassinados no período da ditadura, segundo estimativa dos estudos da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Esta reconhece que os estudos contemplaram apenas uma parcela restrita dos povos afetados e, por isso, o número total de vítimas deve ser exponencialmente maior.


“Os direitos das comunidades indígenas foram sacrificados em nome dos interesses maiores, do desenvolvimento nacional”. A citação do livro “Vítimas do Milagre: o Desenvolvimento e os Índios do Brasil" reflete a realidade do período ditatorial. Em prol da civilização, terras indígenas foram invadidas pela mineração, ferrovias, agropecuária e expedições de contato que visavam educar os povos originários.



Justiça


Para o doutor em Ciências Sociais e coordenador da Comissão da Verdade em Minas Gerais (Covemg), Robson Sávio, os trabalhos das comissões da verdade, sustentados no tripé de memória, verdade e justiça, ajudam no processo de visibilidade da história em relação ao passado ditatorial, durante o qual muitas informações e dados foram reservados por muito tempo. Sávio defende que a memória desses tempos é importante para que haja justiça, para que tal brutalidade não se repita; e para que atualmente não sejam aceitos com naturalidade acontecimentos que violem a verdade e incitem a violência.


O terceiro governo Lula, ao criar o Ministério dos Povos Indígenas e eleger Sônia Guajajara, uma indígena, para ministra, demonstrou reconhecer a necessidade de reparação do governo brasileiro para com a causa. Exemplo disso foi a pronta atuação junto aos Yanomami no início do ano e a assinatura dos decretos de homologação de seis terras, sendo uma delas a Terra Indígena Krenak de Sete Salões.


Outro exemplo foi o encontro ocorrido na sexta-feira (05/05), entre representantes da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedesemg), do Ministério Público Federal e da Funai, através de seu coordenador recém-eleito, Douglas Krenak. A reunião deu continuidade ao diálogo e construção de um acordo para sentença judicial referente às violações de direitos do Povo Indígena Krenak cometidas no período da ditadura.

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